A verdadeira essência do pão italiano
A história de todo pão de
fermentação natural começa com um "pé". É assim que se chama o
fermento natural, ou levain, como se diz em francês. O fermento é vivo, quer
dizer, precisa ser alimentado, cultivado, e, dessa forma, sobrevive e vai sendo
transmitido de pão em pão, fornada em fornada, por dias, meses, décadas,
séculos a fio.Mas,
afinal, que fermento é esse? Muito simples. Mistura-se farinha e água e
espera-se alguns dias. Microrganismos - fungos e bactérias - vão fazer com que
essa massa comece a fermentar. Esse processo não controlado produz gás
carbônico e ácidos (lácteos e acéticos). Quando essa massa primordial é
misturada à massa do pão, que é feita de farinha, água e sal, faz com que ela
cresça e ganhe uma agradável acidez. Por
muitos anos, o fermento das padarias descansava em caixas. Mas atualmente a
legislação baniu a madeira das cozinhas por razões sanitárias.
CRIANDO
HISTÓRIA
Ninguém
sabe dizer ao certo como nasceu o pé de fermento. "É coisa dos antigos",
diz um dos guardiães do fermento. Seu bisavô, um padeiro italiano chamado
Antonio, desembarcou no Bexiga no século 19. Em setembro de 1896, abriu a
padaria Lucânia, hoje chamada Italianinha. Antes de a loja ficar pronta, o tal
pezinho já existia, pois, a grosso modo, não há pão sem fermento.
Alguns
meses mais tarde, a família abriu outra porta, também no Bexiga. A nova padaria
foi inaugurada no dia 14 de julho de 1897, na rua 14 de julho - e seu nome não
poderia ter sido outro: 14 de Julho. O proprietário reivindica o título de
padaria mais antiga da cidade para a 14 de julho. Não é, mas isso é compensado
porque os pães das duas casas nasceram do mesmo pé, que, este sim, é o mais
antigo da cidade.
Como o
Bexiga era a terra prometida dos italianos na capital, outras famílias foram
chegando e trazendo seus pés de fermento para a cidade. Quantos pés vieram não
se sabe, mas dois deles sobreviveram até os dias de hoje - o da São Domingos e
o da Basilicata.
Em 1913,
um casarão foi erguido na Rua São Domingos para abrigar uma família de D
Albaneses. Anos mais tarde, os Albaneses se mudam, mas a padaria continuou ali.
O pé idem. Há quatro gerações, 96 anos, ele vem sendo refrescado duas vezes por
dia, originando cerca de 20 mil pães por mês, vendidos em quase todo o País.
Se o pé
dos Albaneses falasse... Ele foi testemunha ocular da história. Sobreviveu ao
saque histórico da padaria, em 1932; serviu ao samba paulistano (alimentando
Adoniran Barbosa); acompanhou a "diáspora" do Bexiga, promovida pelo
corte do bairro na construção da Av. Radial Leste; e, recentemente, quase foi
assassinado por uma briga de amor, quando um casal que morava no vão do Viaduto
do Café (vizinho de muro) ateou fogo no próprio barraco depois de uma
discussão.
O
fermento natural tem um ciclo próprio, que o preserva de fornada em fornada.
Parte dele é usada na massa do pão e a outra descansa por quatro ou cinco
horas, quando recebe comida - água e farinha - e vira a "planta";
outro descanso, e ele volta a ser "pé", ou fermento natural.
O ciclo
se repete várias vezes por dia - na Basilicata,uma
padaria de São Paulo são seis vezes, todos os dias, há 95 anos. Como todo o
processo é artesanal e o fermento é sensível a muita coisa - tipo de farinha,
água, golpes de vento, temperatura e umidade -, o padeiro chefe está sempre por perto, corrigindo as
proporções e os tempos. "De vez em quando temos de fazer manobras para
reativá-lo, mas dá tempo, o fermento avisa. Na década de 70 houve uma sabotagem
e quase perdemos o pé, mas em três semanas recuperamos nossa tradição",
sussurra, que há 55 anos não arreda o pé dali..
FERMENTO NATURAL:
1- de farinha de trigo
500 ml. de caldo de cana
PREPARO DO FERMENTO:
Leve a batedeira com o caldo de cana, e vá acrescentando a farinha de
trigo, bata bem para que incorpore, coloque em um recepiente com tampa,
deixe fermentar por 7 dias após este tempo, separe pequenas porções do
fermento, coloque em vasilha com tampa e guarde na geladeira.